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MIGRAÇÕES
Embora se possa pensar que, desde o início, as migrações fazem parte da história da humanidade, é importante destacar que os movimentos migratórios na forma de uma "explosão" se intensificaram nas últimas décadas, não apenas na América Latina, mas também no mundo.
Além das múltiplas e comuns causas históricas que têm levado os povos a abandonarem seus lugares de origem, há aquelas decorrentes de razões políticas, climáticas, econômicas, desastres naturais, invasões e genocídios, nesses tempos de mutação civilizacional como tem sido chamado o turbilhão de mudanças políticoculturais e tecnológicas a que estão submetidas as populações dos mais diversos lugares do nosso planeta, sem tempo para a elaboração do luto e da perda, muitas vezes abalando os alicerces da identidade individual e coletiva.
O que a psicanálise tem a contribuir diante dessas novas realidades que, por um lado, questionam seu próprio paradigma e, por outro, o colocam em xeque com seu chamado à urgência e aos desafios clínicos, para abordar o trabalho sobre os processos de subjetivação pelos quais as populações migrantes e receptivas estão transitando?
A abordagem do tema que nos convoca nos aproxima de um complexo trabalho de fronteiras no sentido de zonas de cruzamento, marcado por uma heterogeneidade de disciplinas que inclui psicanalistas, antropólogos, sociólogos, economistas, entre outros, e que abre um leque de temas como a subjetividade já mencionada, a alteridade, o corpo, as identificações, o racismo, a linguagem, a violência e, não menos importante, o inconsciente. Trata-se, portanto, não apenas de deslocamentos geográficos, mas também dos problemas que as migrações e o migrante evidenciam, consciente e inconscientemente, na medida em que a questão de quem é o estrangeiro contém como ponto pungente a inquietante questão sobre a própria identidade, desvelando o latente e o silenciado, em seu duplo aspecto individual e coletivo.
É comum que a população imigrante, nos tempos atuais (e talvez em todos os tempos) gere e tenha gerado distanciamentos e estranhamentos que englobam também a população receptora, opondo-se a questões estruturais como a permanência ou a mudança.
Algo do sinistro, no sentido freudiano, parece despertar diante do diferente, em seu caráter de estranheza, estrangeirismo, perturbador em sua ajenidad e em suas diferenças. Corpos com suas marcas corporais, simbólicas e linguísticas. Corpos vistos como circulantes, mas não vinculantes. Apoio de embates culturais e desentendimentos que geram ódio entre o que é minoria dentro da maioria.
Emergência de conflitos com a alteridade, que ressurgem diante das diferenças de valores, costumes, histórias, tradições, que nem sempre promovem oportunidades de enriquecimentos mútuos, mas levam a um funcionamento narcísico original marcado pela lógica binária de rejeição e intolerância ao que é não-eu, com seus efeitos de expulsão, isolamento e violência. Muitas vezes na fronteira entre a vida e a morte, como é sabido por todos.
A psicanálise trabalha com a palavra como uma de suas ferramentas fundamentais no encontro com o outro. Trabalhar com populações migrantes envolve o desafio de aceitar o desconhecido da língua do migrante, muitas vezes ignorando seus códigos, suas palavras proibidas e sua conotação sexual com seus efeitos traumáticos. Uma tarefa que os migrantes também enfrentam, pois são portadores de referências culturais diferentes das nossas.
Entendemos que esses desafios exigem necessariamente do analista, no momento de suas práticas, tanto na privacidade de seu consultório quanto em sua atividade na comunidade, um trabalho intenso com sua contratransferência, com seus preconceitos, valores e ideologias, ao mesmo tempo em que implica um diálogo essencial com a interdisciplinaridade como fonte de contribuição para o pensamento complexo, para abordar os limites com os quais nossas teorias e nossas práticas nos confrontam.
María Cristina Fulco (APU)
Coordenadora Científica Suplente
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O MEU RIO
Dicas através do olhar dos psicanalistas
A equipe do comitê local está cuidando para que a organização do congresso da FEPAL esteja intimamente conectada ao seu tema e ao trabalho que a diretoria científica está construindo. Essa postura nos remete a construção de um congresso que leve em consideração o Rio de janeiro atual que ferve em diversidade, complexidade e intensidades em meio a sua permanente beleza e autenticidade.
Nesse espaço de dicas de locais de visitação pensamos em oferecer a leitura e o contato com o olhar que os colegas que vivem e trabalham no Rio têm do seu bairro e/ou local que possuem alguma conexão afetiva. Inspirados pela canção de Arlindo Cruz que descreve o seu bairro de Madureira, convidaremos, ao longo dos próximos meses que antecedem ao congresso, a escrita de colegas que vivem e circulam pelos diferentes bairros e locais da cidade descrevendo o seu lugar, o seu Rio.
Acreditamos que assim, poderemos apresentar a diversidade dos membros e analistas em formação cariocas, que hoje, vai além do reduto da zona sul da cidade e que marcam um exercício da psicanálise em conexão com a subjetividade daqueles que a exercem. Ao criar esse espaço queremos aproximar os colegas do Rio e os que vêm a ele desfrutar do congresso, ampliando e trazendo em destaque um Rio de Janeiro para além dos pontos turísticos sempre exuberantes e à vista em qualquer link da internet.
Viajar para um psicanalista é algo mais amplo do que “turistar”. A observação psicanalítica fina e atenta se beneficia quando nos permitimos explorar em nossas viagens, a íntima capacidade de se deixar atravessar pela alteridade e a diversidade que uma cidade como o Rio de Janeiro pode oferecer. Inspirados pela seção “Cidades Invisíveis” da Calibán, a publicação oficial da FEPAL, criamos essa coluna O meu Rio, onde apresentaremos o que os psicanalistas daqui gostariam de apresentar desse território tão surpreendente que é a nossa cidade, onde vivemos e trabalhamos.
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O MEU RIO
O analista carioca indica
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ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO (1909-1989)
Nasceu no interior de Sergipe, descendente de africanos escravizados, ainda jovem, ingressou na Escola de Aprendizes Marinheiros. Em 1925, chegou ao Rio de Janeiro, onde trabalhou na Marinha de Guerra como marinheiro, por nove anos, sendo, posteriormente, dispensado por indisciplina. Após, trabalhou na Companhia de Eletricidade Light & Power, de onde, também, foi desligado. Lutava boxe e logo se tornou campeão dos pesos-leves.
Foi acolhido pela família Leone e, posteriormente, por quatro anos, viveu em um sótão. Porém, em 1938, aos 27 anos, sofreu um grave acidente em um bonde, fato que provocou o primeiro surto psicótico. Foi, então, encaminhado para o hospício da Praia Vermelha, sendo transferido, mais tarde, para a Colônia Juliano Moreira. No seu delírio viu Cristo descer do céu em direção à terra, rodeado por uma corte de anjos azuis. Sentiu que sua missão era recriar o universo sob influência de vozes alucinatórias que lhe diziam o que fazer.
Assim, produziu grande parte de sua obra com lixo e sucatas, como colheres, calçados, caixas de madeira, garrafas, papeis usados, entre outras coisas. Criou tapeçarias, colagens, miniaturas de navios e automóveis, além de usar lençois e roupas para bordar com o famoso fio azul que obtinha ao desfiar os uniformes dos pacientes internados. Recusava-se a expor suas obras por receio de separar-se delas como se sua arte proporcionasse um sentido a sua precária existência.
Classificado como indigente no hospital psiquiátrico, viveu marginalizado como homem negro, pobre e asilado por diversas vezes, em instituições onde acabou permanecendo até o final de sua vida por quase 50 anos com o diagnóstico de esquizofrenia paranoide. Sobreviveu à dura realidade do abandono e da fragmentação causada pela loucura.
Entretanto, tendo sido marinheiro, pugilista, artista plástico, desenhista, tapeceiro e bordador entre outros atividades, sua trajetória de vida não passou despercebida no contexto político da luta antimanicomial nos anos 80 no Brasil. Nesse sentido, exerceu papel importante naquele contexto de denúncia.
Em 1982, pela primeira e única vez, aceitou expor seus quinze estandartes no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) com o tema “Margem da Vida”. Não se considerava um artista, já que tudo o que criava era fruto de uma missão que cumpria como uma obrigação.
Em 1987, foi estabelecido o dia 18 de maio como o dia da luta pelo Movimento Antimanicomial. O Governo brasileiro promulgou a Lei de Saúde Mental de 1989 que regulamentou os direitos do doente mental e o fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos no Brasil. Nesse mesmo ano, Bispo do Rosário faleceu no dia 5 de julho, aos 78 anos no Rio de Janeiro.
Recebeu reconhecimento póstumo em diversas ocasiões:Em 1995, foi considerado um dos artistas brasileiros de maior prestígio na Arte Contemporânea, enchendo o pavilhão brasileiro na 46ª Bienal de Veneza com a apresentação de 140 obras que ganharam reconhecimento entre os críticos de arte.
Foi homenageado em três carnavais no Rio de Janeiro. No último, em 2018, foi tema do enredo “O Rei que Bordou o Mundo”.
Produziu mais de 800 obras tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e encontra-se exposto no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea que possui um acervo de mais de 1500 peças dele e de outros artistas.
Além de seu legado artístico, existem dois documentários e um vídeo sobre sua vida, nos quais ele respondeu algumas perguntas. O primeiro documentário realizado em 1982 por Hugo Denizart foi intitulado “O Prisioneiro da Passagem” e o segundo, em 1988, por Conceição Robaina relata detalhes de sua vida na Colônia Juliano Moreira. No vídeo gravado por Fernando Gabeira nos anos 80, ele falou sobre a fase na qual ficou encerrado por sete anos em seu quarto. Nessas entrevistas, Bispo questiona seu diagnóstico e fala a forma desumana pela qual eram tratados os doentes mentais.
Desde, então, inúmeras exposições de suas obras já foram realizadas no Brasil e no mundo, consagrando Bispo do Rosário como precursor da Arte Contemporânea.
Por Mariangela Relvas
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Para mais informações, acesse o hotsite do Congresso
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