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27 de janeiro de 2023
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Postos Opostos #1 , Fotografia ano 2021, de Cadeh Juaçaba

A nuvem do golpe
Por Ana Valeska Maia Magalhães

Psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Fortaleza - SPFOR

 

A previsão meteorológica para o domingo, dia 08 de janeiro de 2023, em Brasília, anunciava que o dia seria nublado.
De fato, a paleta do céu amanheceu cinza chumbo. Mas o peso do clima se evidenciou à tarde, quando, em marcha resoluta, milhares de bolsonaristas invadiram a Praça dos Três Poderes. Vistos à distância, seus corpos miúdos tingiram de verde e amarelo o espaço. Rapidamente ocuparam rampas e lajes, poluindo a icônica arquitetura de Oscar Niemeyer. Tal como uma nuvem de gafanhotos que atacam uma lavoura com voracidade, os vândalos passaram à parte interna dos edifícios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal para destruir o que encontrassem pela frente: arrancaram portas, quebraram janelas, despedaçaram objetos históricos, esfaquearam pinturas, picharam esculturas, rasgaram documentos. Nem o brasão da república escapou da violência da turba. O objetivo era o de materializar o plano golpista de destituir o poder recém estabelecido pelas regras democráticas, e instaurar uma ditadura no país.
Pode parecer inverossímil, mas o caos tem suas estratégias. Na atualidade a mente caótica domina uma linguagem altamente funcional dos algoritmos e organiza-se com o domínio das ferramentas tecnológicas da era digital, alimentando bolhas conspiratórias recheadas de mentiras. Psiquicamente, o apelo alcança o âmago das fragilidades mapeadas. Um cenário de ameaça constante é engendrado no subsolo das nuvens na internet. O porta-voz do delírio negacionista apresenta-se como um pai ungido pelo divino, que não teme a lei. E os filhos, empoderados pela chancela da autoridade paranoide distanciam-se da realidade,  acreditando que tudo podem.
Acatar o resultado das eleições é o que se espera no pacto civilizatório. Negar a derrota é minar a possibilidade de convivência democrática. Esse desafio de sustentar a democracia se faz urgente, sobretudo nas frágeis democracias na América Latina, forjadas no que persiste de ranço colonialista, hierárquico e racista. No Brasil, a Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político, e pretende promover o bem de todos, tendo como uma de suas metas erradicar a pobreza e a marginalização.  Dentro do histórico de injustiças sociais que nos marcaram como povo, a efetivação desses objetivos demanda uma série de mudanças estruturais que não se farão sem o amadurecimento de uma sociedade que se responsabilize pela manutenção da verdade, que honre a sua memória e que se esforce para promover uma reparação. Ser firme no respeito às leis é a própria condição de garantia do contraditório e de justiça social.
O antigo relógio trazido por Dom João VI, quando a família real portuguesa desembarcou no Brasil no início do século XIX, foi transformado em carcaça durante a invasão em Brasília.  Simbolicamente, esse ato levanta uma questão: era a intenção dos vândalos parar o tempo? Retroceder a um momento sem garantias de inclusão social?
A arte ser um dos alvos prediletos de depredação cultural de quem não suporta conviver com a diversidade possivelmente tem relação com as possibilidades de leitura que ela traz acerca do que nos perpassa. Por exemplo, em 2019, também em Brasília, um grupo agitava bandeiras do Império. O anacronismo da cena que clamava  o retorno do rei chamou a atenção do artista Cadeh Juaçaba, que há alguns anos desenvolve em seus trabalhos um questionamento crítico sobre a utilização e apropriação dos símbolos oficiais, tal como os bolsonaristas fizeram com as cores e a bandeira de nosso país. A imagem da obra do artista “Postos Opostos”, de 2021, dialoga com os textos dessa edição do Conexão Fepal.
O golpe do dia 08 de janeiro fracassou, mas o que nutre o fantasma do golpe continua a nos rondar. Por essas e outras, a implicação dos psicanalistas nas questões sociopolíticas é urgente. Diante da pesada nuvem que se formou serão necessárias ações contínuas em favor do fortalecimento democrático. A luz de um futuro comum multicultural e multiespécies, com sustentabilidade planetária e estabilidade democrática, necessita de novas percepções e ações. Desaprender fórmulas gastas, reinventar a vida, reaprender com a sabedoria dos povos ancestrais da América Latina. Há muito o que fazer, resignificar, resonhar

Democracia a la deriva

Por María Luisa Silva

Psicanalista Didata da Sociedad Peruana de Psicoanálisis - SPP

 

Comunicar com alguma clareza o que está acontecendo no Peru parece-me uma tarefa muito difícil. A situação é extremamente caótica e confusa, devido à multiplicidade de fatores envolvidos. O estopim foi a tentativa fracassada de golpe e a demissão do ex-presidente Pedro Castillo. Como reação, uma população enfurecida que, desconhecendo essa tentativa de golpe, culpa as manobras do Congresso da República e a sucessora Dina Boluarte pelo que consideram uma injusta deposição do poder de quem fora o ex-presidente que, pela primeira vez, os representava.
A partir disso, desencadeia-se a onda de violência e várias manifestações desarticuladas de marchas e bloqueios se alastram por todo o país, agregando às justas reivindicações, oportunismo político, poderes econômicos legais e ilegais, vandalismo criminoso, entre outros. A resposta perigosamente errada do governo é o uso de mais violência indiscriminada que, em uma tentativa de neutralizar os manifestantes “com punho de ferro”, mata cegamente mais de 50 cidadãos. O novo governo demonstra assim sua incapacidade de permanecer dentro dos limites da institucionalidade e sua surdez para ouvir as exigências de uma população há muito esquecida. Dessa forma, a violência aumenta e se espalha em todas as áreas da vida social, através de atitudes conflituosas e polarizadas que impedem completamente o diálogo entre os peruanos.
Como pode haver diálogo quando a discriminação, o racismo e a intolerância pelo diferente surgem com grande crueza nestes tempos turbulentos? Uma severa crise onde o desgoverno, o tribalismo, o fanatismo do pensamento único e o ataque à alteridade dominam o cenário social e político, e nos coloca não apenas diante de uma democracia ameaçada, mas diante da impossibilidade de sentir sequer que somos compatriotas.
Infelizmente, não mais nos surpreendem estes ciclos de instabilidade e violência em um país onde as regras da institucionalidade democrática estão à deriva e são constantemente desrespeitadas. Crises e desencadeadores políticos atuais ou de médio prazo, mas que nos remetem a fissuras atávicas que existem desde a fundação de nosso país.
Esperamos poder utilizar esta experiência convulsiva para começar a elaborá-la verdadeiramente. Uma elaboração que deve visar a indispensável recuperação da confiança na institucionalidade, com um governo que escute com atenção e empatia as reivindicações daqueles que se sentem negligenciados.

Democracias latinoamericanas amenazadas

Por Fernando Orduz

Psicanalista da Sociedad Colombiana de Psicoanálisis. SOCOLPSI

 

Minha nação se engalana diante do espelho dos ideais democráticos com a convicção de ter sustentado sem fraturas a ordem imaculada desse sistema por 65 anos.
Às vezes, os conceitos servem como telas encobridoras que não permitem ver o que está acontecendo por trás da superfície maquiada. Sob o manto da chamada democracia mais antiga do continente, esconde-se uma dinâmica social baseada em um fratricídio feroz que não cessa em seu horrível derramamento de sangue. Durante estas décadas democráticas, o genocídio tirou a vida de aproximadamente 200.000 civis, 70.000 ainda estão registrados como desaparecidos, quase 40.000 cidadãos foram sequestrados, 15.000 foram vítimas de violência sexual, 4.000 vítimas inocentes de minas terrestres anti-pessoal e 8 milhões tiveram que deslocar-se dentro do território.
Dentro desta bela democracia, todos sentem que representam a lei e, em nome da verdade com a qual cada cidadão se identifica, fazemos justiça com nossas próprias mãos e armas; porque a representante de Temis em nosso território é cega, surda, muda e tetraplégica. Ao contrário dos prepotentes representantes de Ares, que orgulhosamente ostentam seus símbolos fálicos, visto que somente com seu fogo pudemos salvar a democracia.
Aquele que vive na outra margem de nossos ideais é visto como um bárbaro violento que desconhece a linguagem democrática encarnada apenas pelos “nós”. O bruto será sempre o outro, aquele que não é meu semelhante.
Tomara se tratasse somente de outra margem. A arquitetura social de nosso Estado democrático dividiu o país em seis estratos: o da plebe, cheio de índios ressentidos e negros preguiçosos, é estigmatizado com o número 1; a partir daí subimos até chegar ao ápice da pirâmide marcado com o número 6, o das pessoas de bem, geralmente com uma tez pálida. A desigualdade social está formalizada e criou fronteiras visíveis e invisíveis.
A cada quatro anos a festa democrática – como é chamado em meu país o ritual de eleição do Messias do dia – funciona como um fetiche de encobrimento que nos impede de ver a polimorfe perversa poliarquia de pequenas elites ou máfias, que só procuram satisfazer o apetite pelo poder de seus interesses monetários. Se os indicadores econômicos estão indo bem, isso significa que nossa democracia também.
Se o autocrata eleito reflete nossos ideais, nós o elogiamos; se não, nós o vilipendiamos.
Diretoria de Publicações
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Em Lingua Viva: FEPAL Hoje – Entrevista Wania Cidade

 

Como assim um psicanalista latino-americano se envolve com a vida institucional de sua sociedade? Em uma América Latina onde, como ontem e com as modalidades de hoje, questões como racismo, sexualidades, Direitos Humanos, política, acesso de grupos minoritários, movimentos sociais e turbulências, ética e poder estão em chamas.
Num formato de 5 entrevistas a quem hoje dirige a FEPAL, abordaremos estas questões em EN LENGUA VIVA: FEPAL HOJE. Oferecemos esta primeira entrevista para que você possa apreciá-la e acompanhá-la em suas reflexões sobre o que está acontecendo conosco na América Latina hoje.

 

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International Psychoanalytical Association
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Declaración de IPA: Brutales ataques a la democracia en todo el mundo

 

A IPA (International Psychoanalytical Association) está alarmada com as várias manifestações de ataques brutais à democracia em todo o mundo. Recentemente, no Brasil, Peru e Israel, as instituições e símbolos fundamentais dos Estados que garantem a democracia (como a suprema corte e o parlamento) estão sendo violentamente danificados ou manipulados por três vias principais: vandalismo e crime; uma exploração cínica dos canais legítimos da democracia; e controle sofisticado das mídias sociais, por meio das quais notícias falsas assumem exatamente a mesma forma que notícias genuínas, e narrativas falsas e conluios estão pervertendo e distorcendo nosso senso de verdade. Esses modos de ataque violento à democracia estão ocorrendo em todo o mundo.

 

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